quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Um fim de tarde...

Era apenas mais um fim de tarde igual a tantos outros.
Uma ligeira brisa fazia com que os ramos das árvores, mais sensíveis, se mantivessem num bailado com coreografia irregular. O meu cabelo, talvez por inveja, tentava acompanhar o mesmo ritmo mas sem sucesso. No meu rosto disputava-se uma amena batalha entre essa mesma brisa e os últimos raios de sol, daquele fim de tarde, que me fitava de frente.
Eu apenas mantinha o corpo imóvel naquele banco de jardim procurando algo em que fixar o olhar.
Outros corpos, sem sentimentos aparentemente visíveis, iam-se cruzando sem que os seus olhares o fizessem também. Os seus olhares apenas se atreviam a uma breve passagem pelo canto do olho para terem certeza que de outro corpo se tratava ao cruzar com algo. A expressão de cada um não interessava a mais ninguém... excepto a mim! Eu que, estando seguro de que não era notado, observava tantos... todos os rostos procurando um reflexo de algo.
Mas, como maquinas pré-programadas, os corpos continuavam a sua letárgica caminhada sem que nada mais acontecesse, sem que nada se mostrasse.

Baixei o olhar e olhei a maçã que segurava na mão. Dei-lhe uma volta completa para escolher mentalmente o local onde a iria morder e, enquanto o fazia, o chão à minha frente foi invadido por uma sombra que, reduzindo cada vez mais a sua velocidade de aproximação ao local onde me encontrava, parou.
Esta sombra levou-me a levantar o olhar para descobrir a sua origem e esquecendo-me completamente do local que tinha escolhido para morder a maçã, levei-a à boca.

Eras tu que ali estavas. Parada à minha frente, olhando para mim sem dizer uma palavra.
Olhei-te nos olhos e vi os teus lábios esboçarem um sorriso.
Nesta altura, tomado pela surpresa, parei de mastigar o bocado de maçã que tinha separado com uma dentada certeira.
E foi nesses breves segundos que, olhando-nos nos olhos, fui invadido por uma sensação esquisita. Surgiu-me de rompante, vinda da minha memória, a velha expressão "borboletas no estômago" mas o que eu sentia era diferente. Não era no estômago e nem podiam ser borboletas porque tu nunca me tinhas provocado tal sensação.
Foi então que procurei em mim a origem do que estava a sentir e ao descobrir que se tratava do céu da boca, cuspi a maçã que tinha alojada na boca.
Porcaria da maçã tinha bicho.

(Reedicção)

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